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domingo, 3 de fevereiro de 2013

A confissão [1]


A CONFISSÃO [1]
                                                                  
Seguira o ensinamento, matou sem sentir ódio. Por isso se sentia diferente das outras tantas que ocupavam aquela cela.

“Aquelas putas estavam presas pelas infâmias mais desprezíveis. Uma delas tinha deixado o filho de três anos na boca enquanto trepava com o chefão de lá...  Vê se pode! Quando a polícia invadiu o local não deu outra, vadia na cadeia e criança no abrigo. Outra sentiu tanta inveja quando descobriu na gaveta de cuecas o presente caríssimo que o marido comprou para amante que fez do safado pedacinhos, ‘a sala da casa parecia um matadouro de beira de esquina e o meu marido o mais idiota dos touros desossados’, confessava ela envaidecida ao narrar o fatídico.

Comigo não. Comigo foi diferente. Acordei naquela manhã de domingo decidida a por em prática o ensinamento, a imundície não está em matar, em ceifar a vida do outro, a imundície está em deixar-se dominar pelo ódio. Eu amava o filho da mãe e de tanto amor decidi: o último suspiro seria de alívio, de excitação. Passei a manhã inteira entretida na premeditação de cada segundo, nas possibilidades de descoberta, nos limites das dores, no sorriso que ele daria ou na lágrima que eu veria escorrer. Pensei não só nos detalhes instrumentais, na arma do crime, no modo de usá-la ou mesmo no local mais adequado para guardá-la nos momentos antes da execução, pensei, sobretudo, no lado emocional daquele instante que se aproximava mais e mais.

À noite, quando o recebi em minha casa já estava com cada passo (dele e meu) traçado. Já havia escolhido a música, já havia posto a mesa do jantar. Tudo transcorreu como pensei, conversa agradável e muita paquera nos nossos olhares. Pela madrugada, depois que deitamos juntos sobre os lençóis de seda de minha cama, entre suor e saliva, entre êxtase e alívio, chegara o momento. O meu abraço apertado controlava o tremor do corpo dele, enquanto eu pegava de um jeito discreto a arma guardada propositalmente dentro do travesseiro. O orgasmo dele foi aliviado com um estampido abafado. Debruçou-se para trás. Morreu feliz.

A nossa aliança estava feita, apenas por formalidade coloquei um anel no dedo anelar dele e outro no meu. Acendi um cigarro, depois outro, depois outro, e fiquei ali sentada no chão do quarto esperando a lua despedir-se do céu enquanto eu, na companhia suave e silenciosa do meu homem, pude sentir o pensamento vazio e uma paz imensurável.  Disseram que eu enlouqueci, me divirto com essa concepção sobre a minha lucidez. Não havia ódio, sequer raiva, havia amor, sublime e pleno amor. Recuso-me todas as manhãs de narrar as sequências de fatos e os motivos do meu ato. Aquelas putas  não iriam entender.”



[1] Transcrição nº** do áudio de uma entrevista concedida pela maritricida ***, no ano de 20**,  em tratamento no manicômio judiciário  ***.

(Yvanna Oliveira)