A CONFISSÃO [1]
Seguira o ensinamento, matou
sem sentir ódio. Por isso se sentia diferente das outras tantas que ocupavam
aquela cela.
“Aquelas putas estavam presas
pelas infâmias mais desprezíveis. Uma delas tinha deixado o filho de três anos
na boca enquanto trepava com o chefão de lá... Vê se pode! Quando a polícia invadiu o local
não deu outra, vadia na cadeia e criança no abrigo. Outra sentiu tanta inveja quando
descobriu na gaveta de cuecas o presente caríssimo que o marido comprou para
amante que fez do safado pedacinhos, ‘a sala da casa parecia um matadouro de beira
de esquina e o meu marido o mais idiota dos touros desossados’, confessava ela
envaidecida ao narrar o fatídico.
Comigo não. Comigo foi diferente.
Acordei naquela manhã de domingo decidida a por em prática o ensinamento, a
imundície não está em matar, em ceifar a vida do outro, a imundície está em
deixar-se dominar pelo ódio. Eu amava o filho da mãe e de tanto amor decidi: o
último suspiro seria de alívio, de excitação. Passei a manhã inteira entretida
na premeditação de cada segundo, nas possibilidades de descoberta, nos limites
das dores, no sorriso que ele daria ou na lágrima que eu veria escorrer. Pensei
não só nos detalhes instrumentais, na arma do crime, no modo de usá-la ou mesmo
no local mais adequado para guardá-la nos momentos antes da execução, pensei,
sobretudo, no lado emocional daquele instante que se aproximava mais e mais.
À noite, quando o recebi em minha
casa já estava com cada passo (dele e meu) traçado. Já havia escolhido a
música, já havia posto a mesa do jantar. Tudo transcorreu como pensei, conversa
agradável e muita paquera nos nossos olhares. Pela madrugada, depois que
deitamos juntos sobre os lençóis de seda de minha cama, entre suor e saliva,
entre êxtase e alívio, chegara o momento. O meu abraço apertado controlava o
tremor do corpo dele, enquanto eu pegava de um jeito discreto a arma guardada
propositalmente dentro do travesseiro. O orgasmo dele foi aliviado com um
estampido abafado. Debruçou-se para trás. Morreu feliz.
A nossa aliança estava feita,
apenas por formalidade coloquei um anel no dedo anelar dele e outro no meu. Acendi
um cigarro, depois outro, depois outro, e fiquei ali sentada no chão do quarto
esperando a lua despedir-se do céu enquanto eu, na companhia suave e silenciosa
do meu homem, pude sentir o pensamento vazio e uma paz imensurável. Disseram que eu enlouqueci, me divirto com
essa concepção sobre a minha lucidez. Não havia ódio, sequer raiva, havia amor,
sublime e pleno amor. Recuso-me todas as manhãs de narrar as sequências de
fatos e os motivos do meu ato. Aquelas putas não iriam entender.”