O QUE FAZEM OS VAGALUMES DE DIA
De: Luis Fernando Verissimo, (Comédias da Vida Privada)
- Pa-ô-la (desde o começo ele a chamara assim, como se o nome dela fosse espanhol), este nosso caso...
- Que caso?
- Nós não estamos tendo um caso?
- Que idéia, Dan!
Ele se chamava Daniel.
- Se nós não estamos tendo um caso, estamos tendo exatamente o quê?
- Sei lá, mas caso não é.
- Pa-ô-la...
- Caso é assim uma coisa clandestina. Adultério. Precisa ser casado.
- Acho que quando tem sexo no meio, é caso. Independente do estado civil.
- Que idéia! Nada disso. O que nós estamos tendo é um namoro.
- Não. Namoro eu conheço. Não é namoro.
- Então é amizade. Só porque a gente dorme junto não pode ser amizade?
- Pa-ô-la. Há sete meses nós só dormimos um com o outro. Nos vemos todos os dias. Andamos abraçados na rua.
- Então. Uma boa amizade.
- Comemos sorvete de casquinha com a mesma colher, Pa-ô-la.
- E daí?
- Em certas sociedades primitivas, comer sorvete de casquinha com a mesma colher vale mais do que pacto de sangue.
- Não vem.
- E o que você diz quando você está tendo um...
- Eu sei o que eu digo!
- “Dan, Danzinho, amor, vida, paixão.”
- É a emoção, ora. Nessas horas a gente diz qualquer coisa. Uma amiga minha grita o nome de todos os apóstolos. E você, que quando me vê só falta chorar? Mesmo que a gente tenha dormido junto na noite anterior. Oito horas sem me ver e faz um escândalo.
- Mas eu estou tendo um caso com você. Um caso muito bonito. Pena que você não esteja participando dele.
- Não vem, Dan.
- Não. Tudo bem. Somos apenas bons amigos. Onde está escrito “Dan, Danzinho, amor, vida, paixão”, leia-se “Ai que bom”.
- Está certo. Não é amizade. Mas não é caso.
- Romance.
- Também não.
- Um espasmo. Um descontrole hormonal.
- Pára.
- Uma história.
- Isso. Uma história. Está rolando uma história entre nós.
- Que tipo de história?
- Como, que tipo?
- Cômica, séria, trágica... Acaba como?
- E eu sei?
- Só pra minha orientação.
- Por que isto, de repente? Por que esta preocupação? Estamos tendo um ca... uma história legal, sem grilo...
- Mas nós não sabemos o que é. Você não tem necessidade de saber o que está acontecendo com você?
- Pra quê? Deixa acontecer.
- Imagina se esta história acaba num crime. Tudo que está acontecendo agora ganha outro significado. Nós podemos estar vivendo o prólogo de uma tragédia sem saber. Se a gente soubesse o que é, e como acaba...
- Ah, é? Se eu soubesse que você ia me matar no fim, sabe o que eu fazia? Matava você agora. Rá, rá. Mudava o fim.
- Exatamente! Nós precisamos saber o que está nos acontecendo para agir conscientemente, para aproveitar melhor a história e até mudá-la.
- E, mesmo, você é incapaz de matar uma mosca.
- Mas você não me viu com mosquitos.
- Quer saber de uma coisa?
- Uma vez, quando eu era guri, desmembrei uma formiga. Você não me conhece.
- Me ouve.
- E se esta história acaba em casamento? Filhos, essas coisas. Hein? E se acaba em almoços de Domingo e planos de saúde? Nós precisamos saber no que estamos nos metendo!
- Sabe que eu acho que vou mesmo matar você? Assim você fica sabendo o fim e pára de chatear.
- Pa-ô-la...
- Taí. É um conto.
- Um conto?!
- Daqueles que começa no meio de um diálogo, não acontece nada e termina no ar. Ninguém fica sabendo o que vai acontecer depois.
- Não faz isso comigo, Pa-ô-la.
- Com um título que não tem nada a ver com nada.
- Um conto, Pa-ô-la? Isto é só um conto? Um naco de história? Um diálogo perdido? Um...
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