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segunda-feira, 23 de maio de 2011

ZEZÃO, O TERRÁQUEO BUNDÃO

ZEZÃO, O TERRÁQUEO BUNDÃO

Aos meus amigos Deivide Moreira e Mariana Laurindo.
Zézão era um sujeito simples, tinha 50 anos e vivia na linha 164/sul, zona rural de Rolim de Moura. Ele tinha uma vida simples, sozinho numa simples casinha, na fundiária de um sítio simples, conversava sobre coisas simples com outras pessoas simples.
Numa bela noite estrelada, Zezão urinava no tronco de um pé de jabuticaba. Pensando em coisas simples. De repente escuta um barulho estranhíssimo! O susto é tão grande que interrompe a micção. “Uai? Que desgraça é essa?” perguntou a si mesmo. No instante seguinte uma luz muito forte cai sobre ele. Zézão fica com tanto medo que se ajoelha pensando estar presenciando o juízo final.
Ele começou a sentir seu corpo mais leve, até que começou a flutuar, estava sendo sugado pela luz, que de tão intensa deixou-lhe cego por alguns instantes, e quando voltou a enxergar estava deitado numa espécie de leito dentro de um disco voador.
Zézão estava imóvel, conseguia apenas respirar e sentia um leve formigamento no alto de seu crânio. Depois de alguns minutos ele já era capaz de mover os dedos e gradativamente foi recuperando os movimentos de todo o corpo.
Onde é que eu estou?
            Perguntou. Nesse momento teve a impressão de que havia pronunciado aquela frase em uma língua totalmente desconhecida. No instante seguinte ouviu a resposta:
“está na espaço-nave 000 001 010 100 - 110 101 110 111”.
Ele teve a impressão de que aquilo que ouviu estava em outra língua, mas entendeu perfeitamente o que foi dito. Tudo isso o deixou extremamente confuso.
“Você deve estar confuso por estar se comunicando em um dialeto desconhecido, não se preocupe, logo esta sensação de estranheza irá passar.”
Disse um ser de dois metros de altura, quatro pernas (como um centauro), dois braços e uma cabeça chata com dois olhos enormes, pretos, que não piscavam.
“Nós implantamos em seu cérebro células artificiais que possuem codificações mnemônicas da língua de meu planeta, o que te torna capaz de codificar e decodificar informações da língua zaratustriana, ou seja, transmitir e interpretar ideias na minha língua.”
Disse outro ser que estava atrás de Zézão, que então pergunta:
Por que vocês me pegaram?
“Somos pesquisadores do planeta Zaratustra, e nossa pesquisa é sobre como um terráqueo reagiria ao visitar nosso planeta, levaremos você pra lá.”
Mas nem com reza brava, eu quero descer desse negócio agora!
Disse Zézão se levantando do leito.
“Nós já estamos no espaço sideral, não há como você descer.”
Disse um daqueles seres. No total haviam cinco extraterrestres dentro da nave. De repente um dos seres faz um sinal com a cabeça indicando um painel colorido na parede da nave, outro ser vai até lá e toca algumas vezes o painel, com isso é acionado um mecanismo que distorceu o espaço-tempo de tal maneira na frente da nave que criou um buraco-de-minhoca (um buraco no espaço-tempo que liga dois pontos do universo que estariam em altíssima concentração gravitacional).
“Nós vamos utilizar este buraco no espaço-tempo como um atalho para chegar mais rápido ao nosso planeta, pois se fossemos pela via convencional levaríamos mais ou menos cinquenta e cinco milhões de anos terrestres para chegarmos, mesmo viajando na velocidade da luz.”
Zézão não entendeu bulufas do que o ET quis dizer.
“Por essa fissura no espaço-tempo, levaremos somente oito anos para chegar.”
Disse o ET que operava o painel.
“Durante esse tempo, iremos induzir um sono em você, para evitar possíveis transtornos psicológicos oriundos do isolamento e da distancia de casa.”
Disse o ET que lhe fez a operação de inserção mnemônica de linguagem por células artificiais.
“Antes de induzirmos o sono, precisamos te perguntar algo.”
Disse o ET que demonstrava ser o comandante, Zézão acuado, apenas esperou que o ET fizesse a pergunta.
“Você é Albert Einstein?”
Perguntou o ET.
Não, meu nome é José da Silva.
Respondeu Zézão.
“Como assim não é? Nós viajamos por centenas de milhares de anos-luz para buscar o famoso terráqueo Albert Einstein!”
– Então vocês se enganaram de pessoa.
Disse Zézão. Enquanto isso um ET consulta uma tela holográfica e diz:
– “Comandante, acho que nós não deveríamos ter feito aquela escala no planeta Atriuss, isso nos fez atrasar 80 anos da nossa viajem, Albert Einstein já deve ter morrido, os humanos não vivem muito, não adianta voltarmos à Terra para buscá-lo. Além do mais, provavelmente ocorreu um pequeno erro no nosso sistema de leitura das coordenadas da Terra, pois a Princeton não fica em Rondônia.”
– “O que?! E como fica a nossa pesquisa!? Como fica minha tese de doutorado?!”
– “Teremos que realizá-la com este terráqueo aí, não há outro jeito.”
            Com isso a nave entra no buraco no espaço-tempo, os ET’s induzem um sono em Zézão e aproveitam para fazer alguns estudos anatômicos, o que nunca se atreveriam a fazer caso tivessem capturado Einstein.
            E assim, ao cabo de oito anos, a viajem por dentro da fissura no espaço-tempo termina. E a nave 000 001 010 100 - 110 101 110 111 surge na orbita do planeta Zaratustra. Os ET’s acordam Zézão com uma descarga de ondas eletromagnéticas de frequência alternada, Zézão desperta bem tonto, pois nunca havia dormido tanto.
– “Senhor José da Silva, agora o senhor será nosso objeto de estudo, nós iremos apresentar nossa civilização ao senhor e assim anotaremos as impressões que tiver, a partir dos resultados que coletarmos do senhor iremos confirmar ou descartar nossas hipóteses a respeito de como um homo sapiens sapiens reagiria ao ver nosso mundo.”
            Zézão, sem muito direto de escolha, fica quieto. Um dos ET’s vai até o painel colorido e configura algumas funções da nave.
– “Estamos prontos para aterrissar.”
            Com isso a nave entra na atmosfera do planeta Zaratustra. Este planeta é verde visto do espaço, um pouco menor que a terra e a temperatura máxima não ultrapassava os 35°C. A atmosfera é rica em Hidrogênio, Hélio, Oxigênio e outros gazes, alguns não encontrados na Terra. A água é escassa, sendo que é desértica a maior parte deste planeta.
            Os Zaratustrianos, assim como toda forma de vida existente no universo, evoluíram se adequando às exigências do meio. Viviam em uma civilização muito organizada, com tecnologia inimaginavelmente mais complexa que a dos humanos.
– “Senhor José da Silva, este é nosso planeta.”
            Zézão ficou boquiaberto ao ver uma cidade com prédios redondos de mais de um quilometro de altura, a população se locomovia pelas vias em pranchas flutuantes, não haviam semáforos, um numero descomunal de indivíduos circulavam numa harmonia jamais vista na Terra. Zézão estava espantadíssimo, e os pesquisadores zaratustrianos anotavam todas as suas reações. Ele gostou especialmente do fato de a gravidade daquele planeta ser um pouco menor que a da Terra, o que aliviava sua dor nas costas, e além dos mais a temperatura era muito agradável.
– “O que está achando, Senhor José da Silva?”
– É doido... Que lugar é esse?...
            Depois de um tempo mostrando a cidade, os ET’s resolveram levar Zézão para almoçar.
– “Senhor José da Silva, coma isso.”
– Que diabo é isso?
            Os ET´s estavam lhe dando uma espécie de pílula fosforescente.
– “Coma isso, é luz materializada.”
            Zézão, movido pela fome, fez um grande esforço para vencer sua neofobia alimentar. Comeu a pílula e se saciou no mesmo instante, foi uma experiência arrebatadora para Zézão.
– “A luz é uma das mais poderosas e limpas energias no cosmo.”
– Vocês não vão comer?
– “Nossa espécie não come a dezesseis milhões de anos, pois por seleção natural adquirimos a habilidade de absorver a luz pela pele e sintetizá-la em nutrientes, vocês humanos chamam isso de fotossíntese. Criamos esta pílula especialmente para o senhor. Recentemente descobrimos como converter ondas luminosas em matéria.”
            Zézão não entendeu muito bem o que o ET disse.
– E água, tem a água por aí?
– “A água é muito rara em nosso planeta, mas nós sabemos que vocês humanos não sobrevivem sem ela, pegamos um pouco para você.”
            Com isso o ET entrega um recipiente com água para Zézão.
– Vocês não bebem água?
– “Não, sobrevivemos apenas com a síntese cutânea de luz.”
            Zézão deu uma olhada mais cuidadosa no chão e levou um susto com os pedregulhos que viu.
– Que pedras são essas?
– “Ah, isso é o que vocês chamam de ouro.”
– Que!?
            Zézão viu que aquelas pedras estavam em todo lugar.
– E por que ninguém pega?
– “A sua raça é engraçada, vocês valoram um simples metal... digamos que minha espécie não possui a necessidade de projetar sua essência subjetiva em pedras, como vocês fazem.”
            Enquanto isso os ET’s iam anotando todas as reações de Zézão, que se mostrava cada vez mais espantado com o que via e ouvia, e estava cada vez mais curioso.
– Quem é o prefeito daqui?
– “Não existem prefeitos, presidentes, reis ou coisas do tipo, assim como não existem países aqui, vivemos em uma sociedade planetária, que não possui governantes, simplesmente seguimos regras que surgem espontaneamente das nossas necessidades comuns. Nossa sociedade é uma só, é includente. Vocês possuem sociedades clivadas por linhas imaginárias e guerreiam impulsionados pelo sentimento etnocêntrico de patriotismo. Aqui não existe patriotismo, não somos alienados o bastante para amarmos linhas imaginárias nem símbolos de sistemas políticos tais como bandeiras e hinos, muito menos tiramos a vida de indivíduos de nossa própria espécie por causa de tais banalidades.”
– E o que fazem com quem desobedece essas regras?
– “Não há quem desobedeça, pois tais regras não são impostas, como eu disse, surgem de nossas necessidades, aqui não existem prisões nem castigos. Não existem punições, pois não há essa necessidade.”
– Existem ricos e pobres aqui?
– “Não existem classes sociais em nossa sociedade planetária, esse é o motivo da inexistência do Estado. Aqui também não existem autoridades, ninguém é visto ou pensa possuir uma pseudo-superioridade social tal como ocorre nas sociedades de seu planeta.” 
– E igrejas? Vocês têm alguma religião?
– “Não, nossa espécie deixou de precisar dessa muleta psíquica a muitos milhões de anos atrás, de lá para cá procuramos evitar entender o universo da forma como gostaríamos que ele fosse, e passamos a entendê-lo da forma como se apresenta, a nossa ciência é essencialmente... ‘Fenomenológica’, como alguns dos pensadores humanos diriam, esse talvez seja o motivo do nosso extraordinário avanço científico e técnico, aqui não existem dogmas irracionais para estorvar o conhecimento válido. Vocês dogmatizam até mesmo seus cientistas, por isso estão em um estagio tão primitivo de avanço tecnológico.”
– Vocês têm escolas aqui?
– “Não usamos mais esses sistemas de ensino, pois não constroem livres-pensadores, mas sim repetidores de ideias. Atualmente implantamos no cérebro de nossas crianças células artificiais com codificações de todo o conhecimento que acumulamos. Isso garante que todos de nossa espécie sejam eruditos do mesmo nível, e ainda com criatividade suficiente para produzir novos conhecimentos, já que não foram adestrados em uma sala de aula. Já a “didática” de vocês transmite o conhecimentos de forma mecânica, transforma o sujeito em uma esponja que precisa absorver ideias, corroendo assim sua criatividade.”
– Existe casamento aqui?
– “Não, nossa espécie é constituída apenas por sujeitos hermafroditas, nos reproduzimos assim: quando estamos prestes a morrer um novo zaratustriano começa a se desenvolver dentro de um útero que temos nas costas, e quando morremos o pequeno zaratustriano se alimenta absorvendo o corpo em decomposição de seu ‘pai’. Logo depois ele ‘nasce’ e passa a se alimentar por síntese cutânea de luz.”
– No meu país nós temos heróis, como um tal de Tira Dentes, o Ronaldinho Gaúcho... vocês têm heróis aqui?
–“Não, nunca houve a necessidade de um. Nunca tivemos um revolucionário, já que nunca tivemos opressores.”
– Vocês trabalham?
– “Não, já que nos alimentamos de luz, não há a necessidade de trabalhar para comprar algo que é de todos. Os zaratustrianos dedicam todo o seu tempo em pesquisas científicas, para assim aumentar o bem-estar de nossa espécie.”
– Quanto tempo vocês vivem?
– “Vivemos em média 1500 anos terrestres, a população não cresce nem diminui por que só nasce um zaratustriano quando morre outro, como já expliquei.”
            Todas essas informações eram arrebatadoras para Zézão, ele sempre vivera uma vida simples, pensando coisas simples, sempre acomodado às condições estabelecidas pelos líderes de sua sociedade. Naquele momento ele desejou que toda a humanidade tomasse conhecimento da existência do planeta Zaratustra e, quem sabe, seguir seu exemplo.
– Ninguém no meu mundo imagina que existe este lugar!
– “Na verdade, existem milhares de civilizações como a nossa espalhadas pela imensidão do universo, em outras galáxias, em dimensões alternativas desse mesmo universo e etc., mantemos contato com muitas delas, trocamos conhecimentos. Mas temos muito receio em estabelecer contato com a sua espécie, vocês são muito imaturos. Além do mais, vocês não tem nada a nos ensinar e é impossível que aprendam algo de nós.”
            Zézão fica quieto, apenas ouvindo o ET, que continua o que estava dizendo.
– “Uma civilização de uma galáxia vizinha investigou vocês, mas desistiram de estabelecer contato, eles disseram que vocês são uma civilização horrível que em breve irá se autodestruir. Eles disseram que a humanidade possui recursos naturais fantásticos, que vocês vivem em um paraíso cósmico, porem estão acabando com as condições naturais necessárias à própria sobrevivência. Realmente, em nenhum ponto do universo se encontra uma civilização como a de vocês. Vocês estão na contramão.”
            Zézão sentiu vergonha da própria espécie, ele nunca havia experimentado tal sentimento. O ET observou uma tela holográfica e disse:
– “Bom, senhor José da Silva, nossa pesquisa terminou, depois meus ajudantes e eu iremos analisar os dados que coletamos do senhor, agora iremos levá-lo de volta, usaremos um descodificador mnemônico para apagar todas as lembranças que o senhor tem de nós e do nosso planeta. O senhor já deve estar com saudades de casa. Está pronto para retornar?”
            Esta pergunta caiu como uma bomba em Zézão. Pensou em tudo que viu, fez as devidas comparações, lembrou-se do fato de que estava desaparecido a oito anos para seus amigos da linha 164/sul e que levaria mais oito anos para retornar pelo buraco-de-minhoca. Além do mais, não queria esquecer do planeta Zaratustra. Sua resposta também caiu como uma bomba sobre os ET’s:
– Não, eu não quero voltar, vou ficar por aqui mesmo.

Os personagens e as situações desta crônica são reais apenas no universo da ficção; não se referem a pessoas e fatos concretos, e sobre eles não emitem opinião.

FIM.

Thiago Rodrigues da Rocha